segunda-feira, 21 de março de 2011

Campanha da Fraternidade 2002

Quaresma e a questão indígena

Hoje, no Brasil, corre-se o perigo de, nesse tempo, ser anunciado aos fiéis:

"Agora vai começar o tempo da Campanha da Fraternidade. Em 2002, o tema é Fraternidade e Povos Indígenas, o lema, Por uma terra sem males". E, pronto!

A Quaresma mesmo fica obnubilada e esquecida. A Páscoa, então, muito mais ainda.

Peço a todos que destaquemos e demos prioridade a explicar que o tempo da Quaresma visa, antes de tudo, preparar a celebração da Páscoa. É bom recordar, com o auxílio do Catecismo da Igreja Católica (nº 107 e seguintes) que, desde Pentecostes, o dom do Espírito Santo inaugurou um tempo novo; é o tempo da Igreja. Durante ele, o próprio Cristo torna presente e comunica a sua obra de salvação. E o faz pela liturgia de sua Igreja, até que venha, no fim dos séculos.

Como é bom crer que Jesus está "vivo e agindo", na Igreja e com ela, de uma forma diferente do tempo em que viveu entre nós. Forma nova; própria do tempo novo em que estamos. Ess está agindo, sim, pelos sacramentos. (É o que a Tradição chama de "economia sacramental"). Ou seja, Cristo está comunicando ou "dispensando" os frutos de seu Mistério Pascal na liturgia dos sacramentos da Igreja.

Enquanto estava em sua vida terrestre, anunciava sua Morte e Ressurreição, por suas palavras e as antecipava por seus atos. Quando chegou sua hora, viveu o único fato da história que jamais passará: Jesus morre, é sepultado, ressuscita dentre os mortos e está sentado à direita do Pai. Este é um evento real, acontecido no tempo. Porém é único. Todos os demais fatos da história acontecem uma vez, depois terminam e se tornam passado. O Mistério pascal de Cristo não pode ficar "só" no passado. Tudo que Cristo é, fez e sofreu por todos os homens e mulheres é "eterno", porque Jesus é Deus e tudo que está com Ele relacionado participa de sua eternidade divina. Isto é, abraça todos os tempos e se mantém permanentemente presente. A realidade da cruz e da ressurreição "permanece" e atrai tudo para a vida.

Dessa forma, a Igreja associa-se a cada ano, através dos quarenta dias da Grande Quaresma – tempo que Jesus passou no deserto – ao mistério de sua Paixão e Morte. No deserto, Jesus foi provado como nós o somos, mas venceu o Tentador por nós; "amarrou o homem forte" e lhe retomou a presa (Mc 3,27).

Antecipou a vitória da Ressurreição, após a morte por obediência ao Pai.

Este tempo de Quaresma é apropriado às orações mais intensas e às privações voluntárias como o jejum, a esmola ou a partilha fraterna (obras de caridade e missionárias).

Falaremos, é claro, dos Povos Indígenas; temos para com eles uma dívida social; devemo-lhes o reconhecimento dos erros cometidos por uma parcela dos membros da Igreja, no passado; queremos nesta Quaresma, de modo especial, com a esmola e a partilha, colaborar com obras de caridade e missionárias, através daqueles que trabalham o ano inteiro ao lado de nossos irmãos e irmãs índios.

No mês de janeiro, pela segunda vez, nossa Arquidiocese enviou um grupo de missionários à diocese de Barra do Garças, Mato Grosso. Agora, além de sacerdotes e seminaristas, foram também religiosas, leiga consagrada e vários fiéis, jovens e adultos. Foi um tempo de graça para nós e, esperamos, também para eles. Nesta Igreja particular, há indígenas. Nossos missionários puderam ter contato com os Bororos. Além destes, eu pude visitar também uma aldeia de Xavantes. A Igreja está presente ali, após 500 anos, agora através de dedicados salesianos e salesianas. Rezemos especialmente por eles, nesta Quaresma. Vamos enviar-lhes nossa Coleta da Campanha, através do seu Bispo diocesano. E peçamos a Deus que os missionários católicos nunca pensem ser ofensivo anunciar o cristianismo para culturas nativas, reduzindo seu trabalho à mera luta pelos direitos sociais dos índios.

A mensagem de João Paulo II para a Quaresma de 2002 tem como tema "Recebestes de graça, dai de graça" (Mt 10,8). Recebemos de nossos pais a vida humana, como um dom, e a vida divina pelo Batismo. Escreve o Papa: "A nossa doação aos outros é resposta aos numerosos dons que o Senhor continua a conceder-nos. Gratuitamente recebemos, demos gratuitamente".

16 de fevereiro de 2002



Dom Carlos Alberto E. G. Navarro

Arcebispo Metropolitano de Niterói

[falecido]

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